"O que, pra mim possa parecer mais uma loucura da mente humana, incendiada por artífices da mídia influenciante, para muitos é considerado diversão. E diversão Sádica, talvez sem fundamentos. Mas é o fundamento que gera a concepção dos Fundamentalistas. Aqueles que lutam cegamente por um objetivo e um ideal único, a ponto de sacrificar a própria vida pela vida dos que virão futuramente, em seu círculo social. Um ato materno? Não. Mães, sejam elas humanas ou animais, em sua maioria irracionais, praticam atos em prol de cultivar a vida futura, e não arrancá-la em seu berço inicial."
O dia era quinta-feira. A hora, o almoço. Sentei no sofá de uma pequena sala no meu escritório, estiquei as pernas, concentrado-me em meu mais novo Livro, o qual eu lia avidamente, e comecei a folhear as páginas, até que uma notícia irrompeu aos meus ouvidos.
"Massacre no Rio. Jovem entra em escola e mata 12". A notícia era apenas mais uma, como tantas outras que ouvimos, vindas de Columbine, Virgínia ou outro ponto qualquer do Hemisfério. Mas havia uma coisa que a diferenciava. O Brasil.
Agora, a matança era entre nós. Nós, que nos deparamos dia após dia com atos fundamentalistas, sem fundamentos.
O Jovem caminhava com sua câmera, filmando a escola, a qual havia sido invadida por um lunático, o qual tinha aopenas uma única e específica finalidade: matar.
Não importavam quantos, e não importava quem. O que importava não era o sujeito, e nem o predicado. O que importava era apenas o verbo. Matar.
O cinegrafista caminhava a esmo pelo quarteirão da escola, filmando pessoas em conglomerados semelhantes a formigueiros. Todos andavam e gritavam feito coiotes no uivo da noite, esperando pela ajuda da lua, que não aparecia atrás das nuvens escuras.
Crianças largadas na sarjeta, feito porcos ao relento, como se fossem indigentes. Ensanguentadas. Dos pés às cabeças. Muitas gritavam, feridas, sem saber nem onde o tiro havia atingido.
Eu sabia. Naquela hora eu soube que o tiro havia atingido o coração da Sociedade. As páginas do meu livro já não se moviam. Minhas mãos pressionavam com força a capa do livro com a imagem de um dragão, circundado por fogo.
Fogo era o que havia em meus olhos. Fogo era o que havia no coração da Sociedade.
Por um instante qualquer, a Sociedade viu-se inerte a um ato que a calou.
A câmera tremia e as pessoas tremiam junto com ela. Tremiam de medo e de frio. Tremiam de calafrio. O calafrio que percorre a espinha da mocinha no filme do Drácula, na hora em que ele se prepara para atacá-la.
O calafrio que percorre a espinha da Sociedade no filme da vida real, quando se vê diante de um inimigo invisível. A violência impune.
Gritos ecoavam de dentro da escola. Pessoas perdidas feito moscas em meio à produtos químicos que causam tontura e morte. Andavam de um lado para o outro, sem saber de onde vinham e sem saber para onde estavam indo.
A câmera tentou subir um lance de escadas, e se viu deparada com uma multidão de pessoas tentando fazer o mesmo que ela. Parado, o cinegrafista vê o desespero nos olhos das pessoas.
Desespero. Desespero é o que a sociedade sente quando não pode fazer mais nada em relação a atos fundamentalistas como este.
Ele sobe, passa pelo guarda que ali estava e se depara com mais um lance de escadas, e ali ele pára. Pára diante da causa.
O corpo estava no chão, imóvel, feito um caixão em um velório. As mãos, sujas pela morte, seguravam uma arma negra com poder inimaginável. A outra mão estava com uma luva, como se estivesse se protegendo do fogo que a arma consome. As pernas eram como gravetos transpassados entre si, e a cabeça estourada mostrava os miolos feito repolhos jogados no chão ao final de uma feira de domingo. Ele estava ali. Ele, a causa.
Ali, a câmera o encarou solenemente. Ele nada fez, pois imóvel, fitava o nada. O vão. Vão que permanecerá na vida de 12 Famílias Cariocas por um período conhecido como Eternidade.
As pessoas na escola gritavam mais forte, e o cinegrafista ainda buscava uma resposta para aquele corpo parado à sua frente. De repente a câmera se moveu, deu meia volta e desceu a escada até sair da escola, minutos depois.
Esta é a história (real) de Wellington Menezes de Oliveira, 24 anos, e de 12 famílias do Bairro do Realengo, no Estado do Rio de Janeiro. A notícia de que um rapaz entrou numa escola do Rio com uma arma, assassinou 12 jovens e depois de ser baleado pela polícia local, suicidou-se, correu o mundo.
A barbárie inadmissível foi assistida pelos cantos do planeta, relembrando Columbine, relembrando Virgínia. Relembrando o que jamais deveriam ter de relembrar.
O ato alucinado só não foi mais grave por que toda história que tem um vilão precisa um herói. E o (nosso) herói chama-se Terceiro Sargento Alves, que entrou na escola e alvejou o Atirador de Realengo com um disparo no Abdomen, após ser avisado por uma das crianças que correu para buscar ajuda.
O Herói foi aplaudido de pé por todo o País, por ter evitado um massacre ainda maior. Mas a Polícia deveria ter sido aplaudida por ter evitado o massacre, e não por ter evitado um massacre maior.
Não é objetivo da Polícia remediar, e sim prevenir. A Polícia tem arma para impôr respeito. A Polícia tem farda para impôr respeito. A Polícia tem brasão para impôr respeito.
A Polícia tem arma, farda e brasão não para dar pêsames às vítimas da violência que ela mesma deveria evitar. A Polícia tem arma, farda e brasão não para dizer que é polícia, e sim para agir como Polícia.
Infelizmente o que deveria servir como escudo para uma Sociedade amedrontada diante da criminalidade serve apenas como Band-Aid para uma ferida que jamais cicatrizará por completo: A impunidade diante dos fatos.
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