O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira
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"Não procuro entender a vida, porque se eu passasse o meu tempo tentanto entendê-la, eu não a viveria."
A vida é uma coisa bizarra né. Aliás, ela é muito bonita, e muito louca também. Nada que não me desperte a curiosidade de observá-la, de longe. E ao mesmo tempo de perto, de dentro dela própria. Afinal de contas, eu a vivo.
As coisas são meramente engraçadas, e quando você pára pra pensar nelas, elas se tornam sérias, reais, e muitas vezes amargas.
Sempre adorei desenhos, especialmente Pica-Pau e Tom e Jerry. Esse último pelo simples fato do Gato nunca conseguir pegar o Rato. Mas parei pra pensar sobre outro ponto de vista.
Quando cursei minha primeira faculdade (Artes Plásticas), meu professor de Piano me contou uma história curiosa sobre quando ele tinha 15 anos de idade, onde teve a oportunidade de ir estudar piano na Espanha. Acontece que ele recebeu a notícia de última hora, e teria de decidir ali, no ato. Naquela época os meios de comunicação eram difíceis, e ele não teria como se comunicar com sua família com tanta facilidade nos próximos dez anos de sua vida, quando estivesse no conservatório Espanhol. Ele tinha duas escolhas. Ou iria sem poder avisar sua família, e se formaria um exímio e virtuoso pianista, ou então ficaria, e abdicaria da oportunidade de ter ido para lá.
Ele me disse a seguinte frase: Você sempre vai se deparar com duas estradas na sua vida. Sempre haverá duas escolhas, e você deverá optar por uma delas, e jamais deverá pensar se a outra estrada teria sido melhor.
Ele optou por ficar (perto de sua família) e não ir à Espanha.
Naquele momento parei pra pensar em todas (sim, eu escrevi todas) as etapas da minha vida, as quais me deparei com situações semelhantes. As duas estradas.
Elas existiram. Eram reais. E eu fiz as minhas escolhas, sem as quais não estaria nem aqui escrevendo este texto em uma madrugada de um sábado de Aleluia para um domingo de Páscoa.
Sempre admirei essa dualidade da vida. Bem e Mal. Claro e Escuro. Preto e Branco. Tom e Jerry. O que me faz parar pra pensar é se essa dualidade tem de existir em todas as circunstâncias.
Tenho um grande amigo, o qual trabalha comigo, que foi a um casamento um dia desses. Perguntei como havia sido o casamento, pois ele estava comentando há um certo tempo sobre a data. Disse-me que foi lindo, mas que ele ficou em choque com o que viu antes de entrar na festa.
Um homem (como todos os outros), feito de carne, ossos, sentimentos e idéias, estava abaixado, sobre seus joelhos ralados e sujos, bebericando a água da chuva em uma poça no meio da rua.
Este meu amigo o observou, calado e à distância. O sujeito bebia a água com sofreguidão. Parecia um cão morrendo de sede, como quando o dono coloca água em seu recipiente. Mas o recipiente do homem era a rua. O Asfalto.
Ali, abaixado, o homem engoliu vorazmente a água sem ao menos se dar conta dos olhos que o observavam.
Minutos depois este meu amigo deixou de observar o homem bebendo água do asfalto para entrar na festa e beber em uma taça de cristal legítimo o Champagne Francês mais caro que já havia visto.
E se perguntou (bebendo): Por quê? Por que isto? Por que esta disparidade? Por que esta diferença abismal entre duas pessoas humanamente iguais?
Eu me pergunto: Por quê? Por que isto?
Eu te pergunto: Por quê? Por que isto?
Talvez essa dualidade seja a dualidade que não é mostrada nos desenhos. Talvez seja a dualidade que o mundo não quer enxergar.
Talvez seja a dualidade que o mundo finge não enxergar.